segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

NOSSAS VIDAS SÃO OS RIOS

Pedro Casaldáliga















Nossas vidas são os rios.
Minha vida é este Araguaia!
Indescritível,
indecifrável.
Que se ama e se agradece, e se teme e se deseja;
ao qual se volta sempre,
como a um lar, fatídico e feliz.

Exuberante e cruel,
a multiforme fauna,
presente ainda, condenada.
Os jacarés espichados, que atenazam o sol,
As placas insidiosas das Arraias.
As piranhas que serram carne viva.
E os peixes elétricos,
estalando a morte.
E os peixes de todos os tamanhos e luzes,
vorazes ou pacíficos,
miúdos,
brincalhões,
voadores.
(os peixes que dão vida,
holocausto á brasa e á pimenta.)
Os pássaros, vestidos a rigor,
senhores, diplomatas.
Essa fileira de patos colegiais,
que espera um ônibus ali na margem...
E, de súbito, o pulsar
frágil de uma canoa.

E as nuvens, acima,
cansadas e fecundas.
As famílias que chegam, retirantes;
os enfermos que vão á deriva;
as cargas, e as cartas trêmulas;
as mulheres batendo a trouxa indiscreta;
os homens na popa, os homens no remo;
e os meninos banhando-se,
somando-se ás águas, como peixes.
E eu, pela manhã, lavando-me do sono
com o espelho incandescente ao sol da outra margem;
eu, pela tarde, entrando, reverente, estrangeiro,
vestido pela luz poente e pura

na liturgia destas grandes águas... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.